17.9.04

Episódio 3 - O Toino Finalmente



Agarrado pelos pés, os meus Tios arrastaram-me pelos enormes Salões da nossa Mansão de Lapadócia.
Com o meu canivete suíço, oferecido por um dos nossos mordomos para destruír quadros, ia tentando parar, cravando-o no soalho. A pressão da família era enorme....por isso fui cortando os valiosos tapetes da Senhorial Casa, à minha passagem.
Ria-me, sem ter a noção do que me esperava.
Várias centenas de metros depois, os meus Tios pararam.
A carga nos meus pés e o pó na minha boca tinham amainado.
Estávamos perto do berço onde o meu primo dormia. O dito Toino.
O Tios disseram:
"Olha o teu parente mais novo".
Olhei. Para mim, aquilo não era um berço, mas sim um contentor. Chegou a servir para guardar a lenha do nosso palácio durante muitos invernos.
O Toino não me parecia um bébé, mas sim, um infantário inteiro.
Era enorme. Tão grande, que para se observar o mamífero, tinhamos de rodar a cabeca 180 graus.
Eu não queria acreditar que o meu concorrente, era maior, mais pesado e mais forte.
Só rezei muito, para que não fosse mais inteligente.

Os dias foram passando.....
Eu sentia-me posto no segundo degrau do pódium. Todos davam atenção ao Toino e a mim só me diziam: "Não faças barulho que o bébé está dormir" "….”Não brinques com facas ao pé do bébé"...
Bébé, bébé.... mas qual bébé? Ele já tinha peso para ir para a tropa, e comia tanto como uma Esquadra de Polícia.
Com o passar do tempo, o Toino foi crescendo...
Eu observava o evolução do virús familiar.
3 vacas produziam o leite diário para alimentar o bicho e uma delas era sacrificada para as refeições semanais do intruso.
Os Tios passavam a vida a dizer-me que eu tinha de aprender a partilhar tudo com o primo.
Só se fosse a gasolina e fósforos ...Ele ficava com a gasolina e eu com os fósforos. Partilhar o poder, não eram palavras fáceis para o meu cérebro.
Eu tinha de ter uma solução para este problema. Nunca iria dividir Lapadócia com aquele “Mega” Toino,

Ao longo dos anos eu até brinquei com o “Tanque de Guerra”. Não havia muitas brincadeiras possíveis. Às "escondidas" não funcionava, porque havia sempre um bocado do Toino que ficava de fora. À "apanhada", era impossível, porque quando ele corria as couves saltavam do chão, o leite das vacas azedava e os valiosos quadros de Lapadócia caíam das paredes. Um dia dentro de casa numa correria saltaram os estuques todos do tecto de 7 salões e a maioria das louças raras ficaram em formato de “puzzle”...e eu fiquei de castigo, por andar a excitar o primo.
Até mudarem o chão, notavam-se as pegadas do Toino.
Os Tios proíbiram-nos de correr na Mansão. Na rua, brincar, nem pensar, porque as vacas fugiam, os pásssaros migravam...e acho que até anoitecia mais cedo.

O Toino cresceu. Já tinha umas proporções tão avantajadas, que só a 30 metros tinha uma escala normal.
O meu problema, é que ele estava a ficar inteligente. Muito, mesmo....De nada me valeu rezar.
Quando fomos para o colégio, eu andava num deles com o primo.
Ele teve de andar em 2 porque só aceitavam crianças até aos 40 kilos.
Pensei sempre que não o podia perder de vista.
Um dia Lapadócia seria nossa e nessa altura eu tinha de ter uma ideia brilhante para ficar Herdeiro Universal.

Os anos foram passando, e já nos consideravam uns jovens.
Eu já não riscava quadros. Aparecera a televisão e até Lapadócia parecia mais pequena.

O Toino meteu-se na biblioteca. Passava os dias a ler... Criou ideias próprias. Eu nem sabia como o controlar.
Certo dia, ao jantar, o Toino surpreendeu toda a família ao dizer :
"Caros Tios, Tias e Primo, vou correr mundo. Vou saber tudo sobre novas tecnologias".
O silêncio foi geral. Iria o primo abandonar Lapadócia?
Eu fiquei em pânico. Como poderia observar os movimentos do adversário, sem saber onde ele andava?
Os Tios tentaram demover o Toino da sua ideia.
Mas o primo, motivado por uma fé interior explicou:
"Quero perceber tudo sobre tubos de 2 polegadas, roscas decimais e Deus".
Não se percebeu qual a razão. Mas segundo ele, era uma necessidade muito forte.
Tão forte, que o vi subir para fazer a mala, sentindo que seria um percurso difícil para mim.
Eu nunca saíra de Lapadócia e não fazia ideia o que era o mundo lá fora. Estaria eu preparado para o perder de vista?
O Toino desceu, trazendo uma mala pequena. Na minha opinião estava vazia, porque uma camisa dele tinha a àrea da tenda do Circo Chen. Só podia ser bluff. Ele queria enervar-me. Não ia partir....
Era um tarde de sol. Cuspia-nos o entardecer na cara, como um aviso de que em breve seria despejada a noite.
O Toino abraçou a familia toda, incluindo eu. Tudo duma só vez.
Grande mamífero.
"Espero um dia voltar, e ser o orgulho da familia" Disse ele, na sua voz cava e grossa, de coro Russo.
"Ele voltar”, era um conceito que me enervava...mas "ele desaparecer" assustava-me.

Ficámos todos a ver o Toino afastar-se em direcção ao pôr-do-sol. Dado o tamanho do animal, foi um momento que levou o resto da tarde...
A noite caiu, com a força duma bigorna.
Eu estava tão deprimido que nem me apeteceu pegar fogo ao pinhal. Rasguei 2 Matisse. Bebi uma garrafa de Napoleon e fui gritar para o Jardim da Estrela (que já não era nosso).....
A coisa estava feia e ficou pior, quando a polícia chegou.....eram 22:56.